Da compra da PT à multa milionária da Altice

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O presente caso incide, a título principal, sobre o pedido da Altice Europe NV (“Altice Europe”) de anulação da Decisão C(2018) 2418 final da Comissão, de 24 de abril de 2018, que culminou na aplicação de duas coimas, cada uma no valor de 62,25 milhões de euros, à Altice Europe, em virtude da realização de uma operação de concentração, antes desta ser comunicada e da Comissão a declarar (im)compatível com o mercado interno, em desconformidade com o preceituado nos artigos 4.º, n.º 1 e 7.º, n.º 1 do Regulamento (CE) n° 139/2004 do Conselho, de 20 de janeiro de 2004, relativo ao controlo das concentrações de empresas, respetivamente.

Na verdade, esta não se trata de uma decisão inovatória por parte da Comissão, que já havia punido uma empresa por ter realizado uma concentração antes de esta ter sido notificada e declarada compatível com o mercado interno1.

Voltando ao caso em análise, a concentração que envolvia a Altice Europe e a PT Portugal foi oficialmente notificada à Comissão a 25 de fevereiro de 2015, sendo que a Comissão, nos termos do artigo 6.°, n.º 1, alínea b) do Regulamento n.º 139/2004, em conjugação com o seu artigo 6.°, n.º 2 declarou a concentração compatível com o mercado interno, sob reserva de cumprimento integral dos compromissos anexos a essa decisão, entre os quais a cessão, pela Altice Europe, das suas filiais Cabovisão e ONI. Tudo parecia, à partida, seguir os devidos trâmites legais. Não obstante, após uma cuidada e detalhada análise, constatou-se que, na realidade, foi a 9 de dezembro de 2014, que a Altice Europe NV, com sede nos Países Baixos, celebrou com o operador de telecomunicações brasileiro Oi SA, um contrato de aquisição de ações (Share Purchase Agreement vulgo SPA) por via do qual, com recurso à sua filial Altice Portugal SA, adquiriu o controlo exclusivo da PT Portugal, na aceção do artigo 3.°, n.º 1, alínea b) do Regulamento (CE) n° 139/2004, isto porque algumas cláusulas do SPA davam à recorrente um direito de veto sobre as decisões relativas à política comercial da PT Portugal e permitiam que esta influenciasse o funcionamento quotidiano da PT Portugal.

Posto isto, a Comissão concluiu que a Altice Europe tinha executado o SPA antes da concentração de empresas ter sido notificada e autorizada, em violação do artigo 7.°, n.° 1, do Regulamento n° 139/2004 e, em consequência, adotou a da Decisão C(2018) 2418 final acima mencionada, em relação à qual veio a Altice Europe recorrer para o Tribunal Geral, dando origem ao acórdão que ora se comenta.

Com relevância para a decisão da causa, o Tribunal Geral da União Europeia, sustentou que, no que respeita às coimas aplicadas, a Comissão examinou os fatores enumerados no artigo 14.°, n.º 3, do Regulamento n.º 139/2004, em concreto, a natureza, a gravidade e a duração da infração, evidenciando inequivocamente quais os elementos tidos em conta na determinação do montante da coima, o que “permite à recorrente defender-se e ao Tribunal Geral exercer a sua fiscalização”2. Para além do já salientado, cabe referir que o facto da Altice Europe ter notificado a transação ou proposto compromissos em nada afeta a infração, sendo que ao não estar autorizada a realizar a transação, o seu comportamento é merecedor de escrutínio, não esquecendo que, à data da notificação do SPA, as cláusulas preparatórias já se encontravam em vigor desde a sua assinatura e a primeira reunião entre a recorrente e a PT Portugal já se tinha realizado.

Em acréscimo, acrescentou o Tribunal Geral que “teve razão a Comissão ao considerar, na decisão recorrida, que as cláusulas preparatórias tinham dado à recorrente a possibilidade de exercer uma influência determinante na atividade da PT Portugal em violação do artigo 4.°, n.º 1, e do artigo 7.°, n.º 1, do Regulamento n.º139/2004, que essas disposições controvertidas tinham sido levadas a cabo várias vezes em violação do artigo 4.°, n° 1, e do artigo 7.°, n° 1, do Regulamento n.º 139/2004 e que tinha havido trocas de informações que tinham contribuído para demonstrar que a recorrente tinha exercido uma influência determinante em certos aspetos da atividade da PT Portugal, em violação dessas disposições.”3

No que concerne à alegação da Altice Europe de que a decisão viola o princípio da presunção da inocência, na medida que a Comissão presume que a troca de informações constitui uma alteração duradoura no controlo, o Tribunal Geral aponta que, pelo contrário, a Comissão apreciou detalhadamente as implicações da troca de informações que tinha ocorrido entre a recorrente e a PT Portugal antes da conclusão da transação e concluiu que essas trocas contribuíram para demonstrar que a recorrente tinha exercido uma influência determinante sobre a PT Portugal, ao participar na determinação de campanhas de marketing e requerer informações privilegiadas e/ou confidenciais.

Não obstante, considerando que a Altice Europe havia, três dias depois da assinatura do SPA, pedido a designação de uma equipa que conduzisse o seu processo e, a 3 de fevereiro de 2015, apresentado à Comissão um projeto de formulário de notificação que continha um exemplar do SPA entre os seus anexos, o Tribunal Geral entendeu reduzir uma das coimas em 10%4.

Dito isto, viu a Altice Europe rejeitado o seu recurso de anulação da decisão da Comissão que lhe aplicou coimas de 124,5 milhões de euros, no âmbito da aquisição da PT Portugal, muito embora tenha logrado obter uma redução do valor global das coimas aplicadas para cerca de 118 milhões de euros.

1 v. Decisão da Comissão, de 10 de junho de 2009, que aplica uma coima pela realização antecipada de uma operação de concentração em infração ao artigo 7.°, n° 1, do Regulamento (CEE) n.° 4064/89 do Conselho e ao artigo 57.° do Acordo EEE (Processo COMP/M.4994 — Electrabel/Compagnie Nationale du Rhône) [notificada com o número C(2009) 4416] e a Decisão C(2014) 5089 final, de 23 de julho de 2014, que aplica coimas pela realização de uma concentração em violação do artigo 4.°, n° 1, e do artigo 7.°, n° 1, do Regulamento n° 139/2004 (Processo COMP/M.7184 — Marine Harvest/Morpol).

2 Acórdão do Tribunal Geral (Sexta Secção) de 22 de setembro de 2021, processo T-425/18 – Altice Europe/Comissão, parágrafo 26 e seguintes.

3 Acórdão do Tribunal Geral (Sexta Secção) de 22 de setembro de 2021, processo T-425/18 – Altice Europe/Comissão, parágrafo 323.

4 A este propósito, veja-se que, quanto à gravidade das infrações, devemos ter presente que é jurisprudência sólida que a fixação de uma coima não é um exercício aritmético preciso (Acórdãos de 5 de outubro de 2011, Romana Tabacchi/Comissão, T-11/06, EU:T:2011:560, n° 266, e de 15 de julho de 2015, SLM e Ori Martin/Comissão, T-389/10 e T-419/10, EU:T:2015:513, n° 436). A determinação da sua quantia deve ser proporcional com a gravidade da infração e revestir um certo carácter dissuasivo.

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