O comparador de preços da Google: um desafio ao Direito Europeu da Concorrência?

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Nos últimos anos a Comissão Europeia tem exercido uma postura muito ativa no que respeita ao controlo da concorrência no mercado interno, com especial incidência nos mercados digitais, onde a atuação das empresas tecnológicas assume, em alguns casos, contornos desrespeitadores dos limites do Direito Europeu da Concorrência. Prova disto são os casos a Intel – Decisão da Comissão de 13 de maio de 2009 (Proc. COMP/C3/37.990) – e Microsoft – Decisão da Comissão de 24 de março de 2004 (Processo COMP/C-3/37.792 – Microsoft) e Decisão da Comissão de 6 de março de 2013 (Caso AT. 39539) relativa a venda ligada de produtos (relativo ao navegador Internet Explorer).

Já num cenário mais recente, coube à Google ser objeto de investigações – Caso Google Shopping: Decisão da Comissão de 27 de junho de 2017 (Caso AT.39740 Google Search (Shopping). Como se não bastasse estarmos perante um gigante tecnológico, foi determinada a coima mais elevada de sempre em processos semelhantes, no valor de 2 mil 424 milhões e 495 euros, tornando-o num caso paradigmático. Embora as averiguações da Comissão se tenham iniciado em 2010 foi apenas em 2017 que se tornou pública a sua decisão, sancionando tanto a Google Inc. como a Alphabet Inc. por violação do artigo 102.º do TFUE, na medida em que atuavam em abuso de posição dominante. A análise foi levada a cabo em 13 países do Espaço Económico Europeu: Áustria, Bélgica, Républica Checa, Dinamarca, França, Alemanha, Itália, Holanda, Noruega, Polónia, Espanha, Suécia, e Reino Unido.

Após serem recebidas inúmeras queixas de empresas concorrentes que apontavam para condutas abusivas da parte deste gigante tecnológico, em especial no que diz respeito aos seus serviços de comparador de preços, a Comissão decidiu aprofundar as investigações, tendo mesmo em 2013 avisado formalmente a Google de que algumas das suas práticas comerciais poderiam revestir um incumprimento das regras da União Europeia. Das conclusões retiradas por parte da Comissão, foi possível constatar que a Google concedia repetidamente um tratamento mais favorável ao seu comparador de preços (Google Shopping), prejudicando os concorrentes e dificultando a atuação dos fornecedores deste tipo de serviços no mercado. Como resultado deste tratamento preferencial dado à Google Shopping em detrimento dos seus concorrentes, estes últimos viram o fluxo nos seus sites diminuir, sendo-lhes negada a possibilidade de concorrerem pelo mérito ou pela inovação, face aos serviços existentes no mercado. Estávamos perante uma prática abusiva onde a Google promovia o seu próprio serviço de comparação de preços nos seus resultados de pesquisa e despromovia os dos concorrentes.

Concordando com as palavras da Comissária Europeia para a Concorrência, Margrethe Vestager, podemos afirmar que a conduta da Google é ilícita por negar “a outras empresas a possibilidade de competir com base nos seus méritos e de inovar. Mais importante ainda, negou aos consumidores europeus uma escolha genuína de serviços e a possibilidade de tirar pleno partido dos benefícios da inovação.”1

Confrontada com a decisão da Comissão e a multa milionária que lhe fora aplicada, a Google criou um sistema de leilão através do qual qualquer concorrente que forneça serviços de comparação de preços pode licitar para ter acesso à Shopping Unit, tornando o processo o mais igualitário e justo possível, na medida em que a Google Shopping começaria a operar a nível prático como um negócio autónomo que só licitaria até aos limites daquilo que lhe seria rentável, algo que ficou encarregue de ser supervisionado pela CE. Contudo, a 11 de Setembro de 2017 a Google Inc. e Alphabet Inc. recorreram da decisão da Comissão para o Tribunal Geral, a qual foi julgada improcedente confirmando-se a coima a que havia ficado sujeita.

A importância deste caso e da sua solução final é extrema, indicando um caminho a seguir para este tipo de situações em mercados digitais, uma realidade cada vez mais presente e que exige um reajuste das normas de Direito da concorrência, em especial no que à definição de mercado relevante diz respeito. Ora, é certo que poderíamos questionar como concluir a determinação do mercado relevante neste caso (se incluiríamos ou não as empresas que atuam no online shopping) e se assumiríamos que a Google era a única opção à disposição dos consumidores ou não. Ainda assim, fica mais do que visível que este caso é uma das provas da árdua tarefa dos reguladores europeus em aplicarem as disposições vigentes ao setor digital.

No que respeita ao mercado relevante, a Comissão considerou que o mercado relevante do produto era constituído pelo mercado dos motores de busca generalizados e pelo mercado dos serviços de comparação de preços, assumindo que os serviços de comparação de preços constituíam um mercado distinto das plataformas de vendas (merchant platforms), o que faz com que as plataformas como a Amazon e o eBay não tenham sido vistas enquanto concorrentes do Google Shopping. Porém tal encontra justificação no facto de que, se no serviço fornecido pela Google Shopping os utilizadores apenas podem comparar os preços dos produtos, ocorrendo um imediato reencaminhamento para a página do vendedor do produto, numa plataforma de vendas, como as empresas acima referidas, não só podem comparar os preços como podem comprar os produtos nessa mesma plataforma, usufruindo de todos os serviços relacionados de apoio ao cliente e sem nunca serem redirecionados para qualquer ligação externa de um outro vendedor.

Já no que à posição dominante diz respeito, como é sabido, a sua existência não é proibida, sendo que para o Direito da Concorrência apenas interessa o abuso da mesma. No caso em concreto, a Comissão Europeia concluiu que a conduta levada a cabo pela Google constituía um leveraging abuse, o que por outras palavras indica que estamos perante um favorecimento da empresa com posição dominante de um serviço fornecido por uma empresa do mesmo grupo num mercado relacionado em detrimento das empresas concorrentes. Face a isso, não sobram dúvidas que tais comportamentos são suscetíveis de perigar a concorrência com base no mérito, provocando uma concorrência falseada. De realçar que embora este tipo de abuso não se encontre previsto no 102.º TFUE, a enumeração constante deste preceito normativo é exemplificativa e não taxativa.

Ora, conforme já foi mencionado, ainda que tenha sido interposto recurso da Decisão da Comissão, certo é que o Tribunal Geral o considerou improcedente, mantendo a coima determinada no valor de no valor de 2 mil 424 milhões e 495 euros, punindo a Google Inc. e a Alphabet Inc. por favorecerem o seu próprio serviço de comparação de preços, prejudicando os seus concorrentes.

Apesar de importante, não poderíamos deixar de assinalar que esta decisão clarifica a falta de ferramentas capazes de se adaptar às novas realidades tecnológicas e aos desafios emergentes colocados ao Direito Europeu da Concorrência nos mercados digitais, onde, ainda que se possam tomar medidas efetivas, existe muito espaço para o trabalho regulatório.

1 Comunicado de Imprensa de 27 de junho de 2017, Bruxelas, Anti-trust: Comissão multa a Google em 2,42 mil milhões de euros por abuso de posição dominante no mercado de motor de busca, ao dar uma vantagem ilegal ao seu próprio serviço de comparação de preços.

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